NOVÍSSIMO CINEMA BRASILEIRO

Depois de um período cheio de obstáculos políticos para a cultura nacional, o cinema brasileiro tem sido recuperado e celebrado com mais frequência e intensidade. Seja pelos projetos de restauração que resgatam nosso passado fílmico, tornando-os acessíveis para novos públicos, seja pelo reconhecimento mundial das últimas produções, o audiovisual brasileiro tem traçado um caminho otimista pós-pandemia, conquistando a atenção do país. Nesse mês de abril, entre os dias 7 e 27, a tradicional mostra Novíssimo Cinema Brasileiro retorna às salas do CINUSP em sua 13ª edição, apresentando uma seleção da vasta produção cinematográfica recente do país. Com programações diversas que vão do Norte ao Sul do Brasil, a mostra também conta com debates com os realizadores dos filmes para enriquecer a discussão sobre o nosso cinema contemporâneo.
É impossível falar do cinema brasileiro dos últimos anos sem citar o sucesso de Ainda Estou Aqui, do consagrado diretor Walter Salles. Baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, a obra brilha ao fazer um retrato crítico e sensível da vida de Eunice Paiva, mãe do autor, durante a ditadura. Produção de alto orçamento, conquistou enorme público e prêmios como o Globo de Ouro de Melhor Atriz (Fernanda Torres) e o Oscar de Filme Internacional. O filme marca, talvez, o auge da repercussão estrangeira do cinema brasileiro mais recente, que já estava forte há algum tempo. Motel Destino, por exemplo, faz sua estreia no Festival de Cannes no segundo semestre de 2024, concorrendo à Palma de Ouro. Após anos gravando no exterior, o longa marca um retorno do diretor Karim Aïnouz. Ele volta ao espaço litorâneo cearense em um thriller que ousa com cores neon e um erotismo que acompanha a tendência recente das produções cinematográficas de colocar sexo e romance nas telas.
Falando neste gênero amoroso, temos a presença marcante de mais duas obras que exploram relações românticas, com outros tons e em outras regiões do país. Trocando a tensão por um humor leve, e o Ceará por Belo Horizonte, O Dia Que Te Conheci retrata um dia em que a rotina exaustiva do protagonista Zeca é interrompida, levando-o a conhecer Luísa. Com o tom de uma comédia romântica, o último lançamento de André Novais de Oliveira explora a potência dos pequenos gestos enquanto traça uma crítica sutil aos moldes exploratórios de produtividade do mercado de trabalho. Já em Baby, que também estreou em Cannes, o diretor Marcelo Caetano retrata o drama de um romance entre um jovem delinquente e um trabalhador sexual mais velho. Conquistando o prêmio do festival de Melhor Ator Revelação para Ricardo Teodoro, a obra toma o centro de São Paulo como o pano de fundo para as complexidades da vivência queer e marginalizada. Marcelo Caetano estará presente para um debate após a sessão do filme no dia 24/04.
O diretor Cristiano Burlan também usa do aspecto labiríntico e confuso da metrópole paulistana para filmar Ulisses. Experimentando com distorções e ruídos na imagem, ele segue a perambulação do protagonista, que se afunda numa angústia sobre seu passado. Na sessão do dia 15/04, realizaremos um debate com Burlan para discutir a obra com mais profundidade. Em Cidade; Campo também vemos a capital de São Paulo ser o cenário da trama de uma trabalhadora rural que vai em busca de emprego na cidade após o rompimento de uma barragem inundar sua terra natal. Em contraponto, na segunda parte vemos a jornada bucólica de um casal urbano que se mudou para o interior do estado. Estreando no Festival de Berlim, o filme concorre na competição principal e conquista o prêmio de melhor direção para Juliana Rojas, cineasta formada em cinema pela ECA. Ela estará presente na sessão do dia 09/04 para um debate após a exibição. Outro expoente da universidade, ainda matriculado no curso de audiovisual, Lucca Filippin causou burburinho na última edição da Mostra de Tiradentes com seu longa de estreia Kickflip. Com um protagonista tentando realizar uma manobra de skate enquanto seu amigo grava vídeos para o Youtube, a obra explora os espaços liminares da cidade de Campinas, fazendo um retrato melancólico de uma juventude fundada na internet. O diretor e a equipe estarão presentes para um debate no dia 25/04.
A Universidade de São Paulo também sai de trás das câmeras para ser o palco de outros filmes da nossa programação. Em A Batalha da Rua Maria Antônia, a cineasta Vera Egito, também formada pela ECA, usa de vários planos-sequência para imergir o espectador no histórico embate político e estudantil. O longa, que ganhou o prêmio de Melhor Filme no Festival do Rio, terá um debate com a diretora no dia 22/04, além de uma sessão na sala do centro Maria Antônia, onde toda a história se passa. A USP retorna como cenário do filme Sofia Foi, agora no campus da Cidade Universitária, onde uma estudante perambula após ser expulsa do apartamento em que morava. Filmado, em boa parte, apenas com Sofia Tomic e Pedro Geraldo em set, atriz e diretore do filme respectivamente, o longa acompanha intimamente a noite da protagonista, passando pelas festas, encontros e conversas que traçam a melancolia da jovem. Teremos um debate com Sofia Tomic após a exibição do filme no dia 10/04.
Ainda no ambiente universitário, nossa programação sai de São Paulo, e até do Brasil por uns instantes. Em Greice, uma coprodução nacional e portuguesa, o diretor Leonardo Mouramateus retrata uma cearense estudando belas artes em Lisboa que se vê forçada a retornar para Fortaleza após um acidente que a coloca em risco acadêmico. Com uma protagonista carismática e evasiva interpretada pela atriz revelação Amandyra, o humor e charme do filme estão no modo como ela tenta resolver os imbróglios que cria para si mesma e com as pessoas que ela engana. Também focado numa artista carismática, Malu se debruça sobre a figura de uma ex-atriz que sonha em construir um centro cultural no meio de uma favela no Rio. Inspirado em sua mãe, o diretor Pedro Freire cria um filme focado em conflitos íntimos, geracionais e familiares, extraindo atuações explosivas de suas atrizes, com destaque para Yara de Novaes.
Já numa abordagem documental, vemos outra face da vida artística e periférica do Rio de Janeiro. Em Salão de Baile: This is Ballroom, a dupla de direção Juru e Vitã explora a cena de ballroom carioca, intercalando entrevistas individuais com os eventos de uma competição entre várias Houses da região e intervenções produzidas que expõem a história dessa manifestação cultural queer no Brasil. Outro documentário presente na mostra, A Transformação de Canuto é co-dirigido por Ernesto de Carvalho e Ariel Kuaray Ortega, cineasta indígena e líder Mbyá-Guarani, e segue o processo de produção de um filme ficcional sobre Canuto, um homem conhecido na comunidade por se transformar em onça. Misturando aspectos documentais e fantásticos, o filme explora o cotidiano das pessoas e perturba uma memória renegada pela aldeia.
Também com um elenco quase exclusivamente indígena, o filme tocantinense A Flor do Buriti se debruça sobre o passado e presente de outra comunidade, o povo Krahô. Dirigido por João Salaviza e Renée Massora e filmado em 16mm, o longa retrata delicadamente a história das lutas Krahô até os dias atuais. Tratando de outra comunidade marginalizada, contamos também com uma sessão especial do filme Manas, dirigido por Mariana Brennand, que estará presente para um debate após a exibição. A obra aborda a delicada questão do abuso e da exploração sexual infantil na Ilha do Marajó, sendo inspirado em testemunhos reais reunidos ao longo de uma década de investigação.
Através da diversidade dessas produções, a programação procura revelar a amplitude e a força do audiovisual brasileiro atual. Além das conversas com os realizadores dos filmes também teremos outro debate com o professor Marcos Napolitano após a sessão Cinema e Ditadura. Também realizaremos o lançamento do último livro da coleção CINUSP, No Rastro dos Encontros Perdidos - A Mostra Novíssimo Cinema Brasileiro, no dia 25/04.
O convite está feito: o cinema brasileiro ainda está aqui, nas salas do CINUSP, esperando por você.
Boas sessões!